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A EXCOMUNHÃO À LUZ DAS SAGRADAS ESCRITURAS

Padre Tiberio Teylon dos Santos Correia

Vigário da Catedral da Diocese de Maceió

Excomunhão vem do latim excommunicare que quer dizer: retirar da comunidade, excluir. Essa palavra causou arrepios nas pessoas por muitos séculos, pois foi a principal arma da Igreja Católica Apostólica Romana para amedrontar e controlar o povo. Todo o pensamento que divergisse do clero era logo sufocado e extinguido pela excomunhão. Até a nossa Igreja foi excomungada, na pessoa de nosso Santo Fundador São Carlos do Brasil, e por consequência todos os que seguiram e ainda seguem os ideais de São Carlos estão igualmente, com ele, excomungados. É natural que nossa Igreja tenha certa aversão pela palavra e o ato de excomungar por ter sido a maneira suja que a ICAR adotou para calar as pessoas e não deixar transparecer que muitas doutrinas que ela pregava estavam distorcidas do Evangelho da Verdade. Hoje a ICAR continua excomungando, porém não mais com a força que tinha antes, pois seu poder estava atrelado à ignorância das pessoas em relação à palavra de Deus.

Após esse breve comentário sobre o tipo de excomunhão que ficou conhecida e estigmatizada, proponho analisarmos essa palavra à luz das Escrituras Sagradas que é a nossa lei magna. Pretendemos pautar daqui por diante este artigo em cinco perguntas, sendo elas: A excomunhão existe nas Sagradas Escrituras? A Igreja Primitiva adotou essa prática? Quem pode aplicá-la? Em que circunstâncias? E qual a sua finalidade?

A primeira das questões mencionadas é facilmente respondida por qualquer pessoa que tenha um pouco mais de conhecimento das Sagradas Escrituras. Sim, a excomunhão aparece em suas páginas, não com esse nome, mas o sentido é o mesmo. Essa prática de excluir da esfera social, um indivíduo, como forma de punição é muito antiga. No Antigo Testamento podemos ver uma série de normas, dadas ao povo judeu – por Deus, algumas e outras vindas da tradição dos anciãos que interpretavam a Torá –, que excluíam alguns indivíduos do convívio do povo de Deus por um tempo breve, como no caso das impurezas rituais – comidas proibidas, tocar em algum cadáver, a mulher depois do parto e nos períodos de menstruação, tocar numa pessoa que estivesse impura, por alguns dos motivos citados –, ou por um longo tempo e até definitivamente, como no caso das doenças contagiosas – em especial evidência a lepra. Pior do que o castigo da exclusão era o da condenação à morte por apedrejamento, no caso de pecados graves contra Deus ou contra o próximo. Vejamos o que o próprio Deus fala no livro de Levítico (20, 3 – 5) a respeito do castigo para os que sacrificassem o filho ao deus Moloque:

Eu ficarei contra esse homem e o expulsarei do meio do povo. Por haver dado um dos seus filhos para o serviço de Moloque, ele tornou impura a Tenda Sagrada, o lugar onde moro, e profanou o meu Santo nome. E se o povo não reclamar contra o que esse homem fez e não o matar, eu mesmo ficarei contra ele e contra sua família. Eu o expulsarei do meio do povo...

Deus nos deixa bem a claro o motivo pelo qual em muitos casos a expulsão seguida de morte era necessária para que do meio do povo fosse retirado o mal, tão contagioso quanto a lepra e tão impuro quanto os cadáveres. Como pudemos ver, a excomunhão era conhecida da comunidade judaica e tinha sido promulgada pelo próprio Deus.

Passemos para o Novo Testamento a fim de descobrir qual era o olhar de Cristo e dos Apóstolos referente à excomunhão, pois para nós cristãos essa visão é a que mais interessa. No Evangelho de Mateus (18, 15 – 17), num dos discursos que Jesus fez em Cafarnaum, temos a fala do próprio Mestre a respeito do tema. Ele diz:

Se o seu irmão pecar contra você, vá e mostre-lhe o seu erro. Mas faça isso em particular, só entre vocês dois. Se essa pessoa ouvir o seu conselho, então você ganhou de volta o seu irmão. Mas, se não ouvir, leve com você uma ou duas pessoas, para fazer o que mandam as Escrituras Sagradas. Elas dizem: “Qualquer acusação precisa ser confirmada pela palavra de pelo menos duas testemunhas”. Mas, se a pessoa que pecou não ouvir essas pessoas, então conte tudo à igreja. E, se ela não ouvir à igreja, trate-a como um pagão ou como um cobrador de impostos.

Esta fala de Jesus apresenta todo o desenrolar de um processo que culmina na excomunhão. Para os que não entenderam onde aparece a excomunhão no texto, daremos alguns esclarecimentos: Quando Jesus manda tratar aquele homem, que insistia em permanecer no pecado, como um pagão ou cobrador de impostos – o famoso publicano – está justamente dizendo para excluí-lo do convívio da Igreja, como assim faziam os judeus com os pagãos – todos que não pertenciam à raça judaica – e com os cobradores de impostos – judeus que trabalhavam para o Império Romano coletando os impostos do próprio povo e por isso eram vistos como traidores. Ambos eram marginalizados na sociedade judaica e Cristo cita essa relação para ficar bem claro que em casos como esse, as pessoas excluídas não eram mais membros da Igreja.

Com esse texto também podemos responder a segunda pergunta do presente artigo. A Igreja primitiva adotou sim a prática da excomunhão, haja vista que o próprio Cristo assim determinou a sua Igreja. Não podemos, contudo tomar como regra a última parte do texto e negligenciar todo o processo de amor[2] que ocorreu na tentativa de salvar a alma que estava em trevas. O amor descrito por Paulo em I Coríntios (13) deve sempre ser a primeira medida da Igreja para resolver qualquer problema.

Falando em Paulo, usaremos algumas de suas cartas para responder as próximas perguntas. Paulo foi um missionário ativo, fundador de várias comunidades cristãs no mundo pagão. Por vezes ele precisou ser duro para manter acesa a chama da verdade no meio das comunidades. Vejamos um caso que aconteceu na problemática comunidade de Corinto através de uma das Cartas de Paulo (I Coríntios 5, 1 – 5):

... Fiquei sabendo que certo homem está tendo relações com a própria madrasta! Como é que vocês podem estar tão orgulhosos? Pelo contrário, vocês deveriam ficar muito tristes e expulsar do meio de vocês quem está fazendo uma coisa dessas. [...] já julguei, pela autoridade de nosso Senhor Jesus, o homem que está fazendo essa coisa horrível. Quando vocês se reunirem [...] entreguem esse homem a Satanás para que seu corpo seja destruído, mas o seu espírito seja salvo no dia do Senhor.

Neste trecho da carta à comunidade de Corinto podemos ver respondidas as questões restantes propostas neste artigo, mas para melhor clareza iremos ilustrar nosso comentário com mais algumas passagens. A excomunhão aparece na expressão de Paulo: “entreguem esse homem a Satanás...”. Esta expressão usada por Paulo para designar a expulsão do homem do seio da Igreja é muito mais forte e impactante do que “excomunhão”, mas o sentido seria o mesmo. Uma vez que o homem fosse excluído da Igreja, estaria sob o poder de Satanás, entregue a escuridão por ter rejeitado à luz do Evangelho. Paulo, mesmo longe de Corinto, já havia deliberado que aquele homem devia ser expulso da comunidade, mas precisava que a igreja local – dando a entender não só os líderes, mas todos os seus membros – executasse a ordem em assembleia, em comum acordo. Então Paulo como Apóstolo legítimo tinha toda autoridade para usar da excomunhão como forma de punição para pecados que extrapolassem os parâmetros da longanimidade, mas sem um comum acordo com a igreja seria apenas uma ordem desrespeitada. Temos outra coisa interessante para focar neste texto, quando Paulo manda excomungar, o tal homem, diz: “para que seu corpo seja destruído...”. O que ele estava querendo dizer com isso? Bem, a imoralidade sexual era o pecado por excelência da igreja de Corinto, então provavelmente queria dizer que deixassem aquele homem viver toda a imoralidade longe deles, e que esta vivência desregrada destruiria o seu corpo – referindo-se às doenças sexualmente transmissíveis. Dita esta frase ele continua: “Mas o seu Espírito seja salvo no dia do Senhor”. Paulo acreditava que o sofrimento corpóreo que se abateria sobre aquele homem e o afastamento de seus irmãos que o amavam verdadeiramente fossem capazes de reavivar sua consciência e levá-lo novamente ao caminho da retidão antes do dia de seu juízo – neste caso pode não ser necessariamente a vinda de Jesus Cristo, mas o dia de sua morte devido às doenças do corpo.

Vimos uma circunstância em que a excomunhão foi aplicada, não hipoteticamente como no exemplo do evangelho, mas em um caso real, na igreja primitiva. Se a igreja se calasse diante do ato imoral daquele homem, outros poderiam cair no mesmo erro, achando que não haveria consequências. Também vimos que a finalidade dela neste caso foi o de tentar salvar aquele homem e não o de jogá-lo no inferno.

Em outra Carta de Paulo, desta vez a II aos Tessalonicenses (3, 6) vemos a excomunhão de uma forma mais branda, para os membros da comunidade que queriam viver às custas dos outros. Eis o texto: “Irmãos, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo, ordenamos a vocês que se afastem de todos os irmãos que vivem sem trabalhar e que não seguem os ensinamentos que demos a eles”. Dentro da Igreja Cristã primitiva todos trabalhavam e compartilhavam seus ganhos uns com os outros, mas algumas pessoas queriam se aproveitar deste modelo divino de sociedade para não fazer nada e, como o próprio Paulo diz mais a frente, se meterem na vida dos outros. Neste mesmo capítulo, um pouco mais a frente, nos versículos 14 e 15, ele assevera sua ordem:

Se alguém não quiser obedecer ao que estamos mandando nesta carta, vejam bem quem está fazendo isso e se afastem dele para que fique envergonhado. No entanto não o tratem como inimigo, mas o aconselhem como se aconselha um irmão.

Novamente aqui o amor está dialogando com a justiça. Paulo ordenou que quem agisse daquela maneira errada fosse expulso, que a igreja se afastasse dele, mas não o odiassem, não virassem as costas para ele, antes o aconselhassem como um irmão para que dessa forma tivesse a chance de recuperar a consciência e fazer a coisa certa.

Nos dois casos que apresentamos, os indivíduos excomungados não deveriam ser odiados pela igreja, nem tomados como inimigos. Eles não faziam mais parte da comunidade, não tomavam parte na Ceia do Senhor, nem nas reuniões de adoração, nem eram considerados irmãos na fé – isto no sentido de membros do mesmo Corpo Místico do qual Cristo é a cabeça –, mas a Igreja deveria continuar amando essas pessoas e em constante oração para que se arrependessem e deixassem de se orgulhar de seus pecados.

O próximo relato, também tirado de uma Carta de Paulo, a I enviada a Timóteo (1, 19 e 20), é um caso diferente dos dois primeiros. Aconteceu na igreja de Éfeso onde Timóteo era bispo. O texto trata de duas pessoas, que inferimos pertencer à igreja local, que foram excomungadas por Paulo: “... Algumas pessoas não têm escutado a sua própria consciência, e isso tem causado a destruição de sua fé. Entre elas estão Himeneu e Alexandre, que eu já entreguei a Satanás para que aprendessem a não blasfemar mais”. A expressão “entregar a Satanás” aparece novamente aqui, mas diferente de I Coríntios, a punição toma outro rumo. Himeneu e Alexandre, membros da comunidade de Éfeso, deixaram de ouvir suas consciências, não davam mais atenção à voz do Espírito Santo e com isso destruíram sua própria fé, e tornaram-se blasfemadores[3]. A excomunhão aqui proferida por Paulo contra eles não tem o mesmo sentido de I Coríntios, devido a destruição de sua fé e a rejeição do Espírito Santo que haviam recebido, não havia uma expectativa de que eles voltassem à igreja. Aqui a excomunhão tomou um sentido simbólico da excomunhão do Reino Futuro. Lembremo-nos das palavras de Jesus no Evangelho de Mateus (12, 31 e 32): “... Quem blasfemar contra o Espírito Santo não será perdoado[...],nem agora nem no futuro”.

Passemos agora a outro Escritor Sagrado, João, na sua II Carta (versículo 10). A breve Carta de apenas um capítulo também aborda o tema em questão. Vejamos o que ela diz:

Se alguém for até vocês e não levar o ensinamento de Cristo, não recebam essa pessoa na casa de vocês, nem lhe digam: “Que a paz esteja com você!”. Pois quem deseja paz a essa pessoa é seu companheiro no mal que ela faz.

Neste texto João mostra toda sua coragem como Apóstolo em ordenar que os cristãos não recebessem em suas casas pessoas que não levassem o ensinamento de Cristo, já que a hospitalidade sempre foi muito prezada por Deus. Tem algumas coisas que precisamos refletir sobre esse texto. Você pode se perguntar: Eu não devo receber em minha casa alguém que não é cristão? Não é isso que João está nos dizendo. Se não pudéssemos receber quem não é cristão, então como poderíamos pregar o evangelho a eles? Esse texto pode referir-se a duas coisas separadamente ou ao mesmo tempo. Primeiro pode estar referindo-se a cristãos como Himeneu e Alexandre que já não traziam mais em si os ensinamentos de Cristo, mas sim um grande número de blasfêmias. A esse tipo de pessoa não devemos dar acolhida em nossa casa, pois foram expulsos da Igreja de Deus e sendo nós e nossa casa santuário do Espírito, não podemos deixá-las entrar, nem em nossas casas nem em nossos corações. Em segundo pode estar referindo-se aos pagãos com costumes bárbaros e depravados. Como disse antes, o Apóstolo podia estar referindo-se ao mesmo tempo aos dois casos propostos. Notem no texto que João diz que quem deseja a paz a essas pessoas está tomando parte em suas maldades.

A excomunhão era um método disciplinar com o objetivo de trazer a pessoa de volta a um estado de consciência, mas também em alguns casos era uma condenação a fim de revelar os lobos que viviam dentro da Igreja disfarçados de ovelhas. Podia ser aplicada por um Apóstolo ou pelos líderes da comunidade local em unidade com toda Igreja. As circunstâncias para ser aplicada a excomunhão eram diversas, mas pelos textos que estudamos neste artigo, vimos: Imoralidade sexual, ociosidade e blasfêmia. A excomunhão disciplinava os membros da Igreja, mas, sobretudo, lhes ensinava a valorizar o que é sagrado. Hoje estamos vivendo tempos em que os próprios cristãos esqueceram o valor das coisas sagradas, todos participam de tudo em todas as circunstâncias. Sei que esperamos que as pessoas usem de suas próprias consciências para valorizar o Sagrado e corrigir seus erros, mas enquanto isso nós aplicamos todos os sacramentos, em especial a Eucaristia, a pessoas que não se importam com o que estão recebendo e com a palavra de salvação. Talvez se a Igreja usasse de um amor mais zeloso e menos brando as pessoas valorizariam mais os tesouros da Igreja. Mais uma vez trago a voz do Mestre, no Evangelho de Mateus (7, 6), que diz: “... não joguem pérolas para os porcos, pois eles a pisarão”. Sim! Muitas vezes jogamos os tesouros da igreja para pessoas com consciência morta ou quase morta, e, como os porcos, elas pisarão esses tesouros.

Antes de terminarmos este artigo, queremos falar de mais um aspecto desse tema. A excomunhão é também um prelúdio do que acontecerá no final dos tempos. A excomunhão que hoje se dá é terrena, a exclusão da comunhão da Igreja, mas um dia também será dada – esta pelo próprio Cristo – a excomunhão final, que excluirá do Reino de Deus todos os que rejeitaram a Palavra da verdade. Podemos ver essa realidade em algumas parábolas proferidas por Nosso Salvador. Uma delas é a parábola da festa de casamento registrada no Evangelho de Lucas, onde após os primeiros convidados terem rejeitado o convite, o Senhor diz: “... nenhum dos que foram convidados (e não compareceram) provará o meu jantar” (14, 24). Também temos a parábola das virgens imprudentes que ficaram do lado de fora das núpcias, pois o noivo não as reconheceu (Mateus 25, 1 – 12). A parábola do trigo e do joio, quando no final o joio será arrancado do meio do trigo e lançado ao fogo (Mateus 13, 24 – 30). A parábola dos talentos onde o empregado mau e preguiçoso foi separado dos bons e lançado nas trevas (Mateus 25, 14 – 30). Essas são algumas das parábolas que falam da excomunhão final. Diante de tudo o que vimos neste artigo, só resta procurar escutar sempre o Espírito Santo, que constantemente nos fala, para não deixarmos nossa consciência morrer, pois existem coisas piores do que a excomunhão dada aqui na terra, a verdadeira excomunhão acontecerá no final quando os Anjos de Deus separarem os bons dos maus. Como fiéis membros da Igreja de Deus, busquemos a nossa conversão e como clérigos busquemos a nossa conversão e a dos nossos filhinhos – como nomeia João – que foram entregues aos nossos cuidados.

[1] A tradução da Bíblia Sagrada usada para elaboração deste artigo foi a Nova Tradução na Linguagem de Hoje.

[2] A caridade e a compaixão usadas para com o pecador.

[3] Provavelmente blasfemadores contra o Espírito Santo.


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