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SIMPLISMO

Por +Dom Antonio Duarte Santos Rodrigues

Bispo Diocesano de Volta Redonda-RJ

Afirmam alguns em tom dogmático e com ênfase, que a fé cristã e Católica é simples, visceralmente simples, no seu ensino, no seu culto, na sua prática. E partindo deste princípio, que julgam inconteste, começam por despojar a religião de toda a dignidade no seu culto, que fica reduzido a mais absurda vulgaridade : em vez de um templo com estilo religioso, preferem um mero salão desnudo ( por medo do que outras confissões possa dizer), sem alma, sem arte, sem nada que de fora incite o espírito ao recolhimento e a reverencia.

Seguindo a mesma diretriz, desacredita-se a liturgia, que se transcreve aos cânticos em versos e entoados (as vezes muito mal entoados pois não se valoriza mais a música sacra) em música nem sempre religiosa. E o argumento é sempre o mesmo : a religião de Jesus Cristo é muito simples.

E assim vão por diante nos seus processos de simplificação : metem ao ridículo os aparatos que dão solenidade as diversas expressões do nosso culto católico e que sugerem a presença do Nosso Santo de Israel com os seus adoradores ; e daí partem aos ministros que no entender simplista desta gente, não passam de meros pregadores e administradores de ritos e negócios da Igreja, mas não são de forma alguma sacerdotes. Se encontra alguns que até repudiam qualquer título deferencial do seu cargo, e preferem ser tratados, não como Diáconos, Padres, Bispos, como é costume, mas como um “seu” fulano qualquer. Sacerdote, dizem eles, é só Jesus Cristo. Mas não se lembram que a mesma coisa se poderia dizer de Jesus como profeta e como pastor. Se é usurpação pretender ao sacerdócio, o mesmo será pretender ao pastorado e a função do ensino na Igreja. Um clérigo que não é sacerdote, que não pretende ser tido como tal, torna-se inferior aos simples fiéis,que foram feitos “reino e sacerdotes para Deus o Pai” ( Apoc. 1,6).

Se as coisas ficassem neste pé, seriam já deprimentes, é certo, mas talvez toleráveis. Porém, não param por aí, mas avançam de queda em queda no desejo cruel, de tornar o GLORIOSO em simplismo e simplificador. Arrasado o culto litúrgico e rebaixado o sacerdócio entra-se então no campo doutrinário, e vão se eliminando todas as doutrinas reveladas que não se enquadram com a natural apreensão dos homens, tais como a encarnação do verbo, a expiação, a ressurreição de Cristo, a imaculada conceição de Maria e assim por diante. Seguindo o mesmo rumo, já não se acredita mais nos sacramentos como meios de graça , mas apenas como ritos sociais com certo sentido religioso. E surge ao mesmo tempo, a descrença nos milagres do Novo Testamento. E daí o passo é breve para se negar a própria Divindade de Cristo. E o argumento é sempre o mesmo: a religião de Cristo é simples, essencialmente simples, no seu culto, na sua doutrina, na sua prática.

E será verdadeiro este principio apregoado assim de um modo tão categórico, com ares triunfais? A fé crista e católica será realmente essa coisa simples, sem sombras, sem mistérios, como alguns a querem fazer com os seus argumentos e as suas atitudes simplistas? Que a religião é e deve ser simples em seus efeitos práticos, na sua salutar ação nas almas , não resta a menor dúvida. E graças a a Deus que assim é.

Mas isto absolutamente não prova que o seu conteúdo seja simples, como se deixam persuadir certos indivíduos, com a ingenuidade, ou no interesse de controvérsia e proselitismo.

A energia elétrica também é simples na sua operação: o simples toque em um botão enche de luz um palácio ou faz rodar gigantes máquinas. Mas atrás e no meio de tudo isso há um mecanismo complicado, desde a usina geradora, com seus cabos condutores até o ponto da sua operação que parece tão simples. E por cima de tudo paira o mistério dessa energia cósmica , que fulmina e que dá vida, a eletricidade, mas em cuja natureza o essencial não se pode penetrar.

O criminoso processo indiscriminadamente simplista que muitos clérigos, inimigos da fé, de Cristo e de sua Igreja, tentam nos impor, em religião como em tudo mais, é insensato e tendencioso para o erro. Foi esse o caminho de todos os heréticos desde os dias de Cristo, e mesmo antes dele. Simplista era a religião ou meia religião de Lot : Religião meramente interior, ao que parece, sem santuários, sem altares, sem sacrifícios, ou pelo menos tais coisas não eram evidentes no seu culto. Dele apenas se diz que “foi armando a sua tenda até chegar a Sodoma”.

Bem diferente, porém, era o proceder de seu tio ABRAÃO, pai da fé, cujo sistema religioso tinha a expressão visível e complexa de altares e sacrifícios. Em toda parte onde armava a sua tenda, ali, também edificava um altar a JEOVÁ, e convocava toda sua tribo para o solene ritual de culto.

Simplista, sem cerimônia , era também a religião do fariseu que um dia convidou Jesus para almoçar em sua casa. Não o recebeu a porta com o beijo da amizade, nem lhe mandou trazer a água para lavar os pés, e muito menos o ungiu com o óleo destinado aos hóspedes distintos, não o tratou com dignidade. E para que tais coisas, quando se tratava de um Rabino tão simples, tão sem cerimônia?

Diferente, porém, foi o tratamento da mulher penitente que se assentou aos pés de Cristo, e também o de Maria de Bethania, derramando generosamente sobre a cabeça do Mestre a especiaria de alto preço, que encheu toda a casa com o seu perfume. Simplista porém era Judas, o traidor, que conseguiu aliciar até o voto de companheiros incautos: “Para que foi este desperdício?”Mas a palavra de Jesus sancionou o ato de piedade e homenagem daquela mulher: “Onde quer que for pregado este Evangelho, que o será em todo o mundo, será também contado, para memória sua, o que esta fez.”

Não cabe discussão, a certeza que temos, pelo óbvio, que sem embargo de sua boa fé, todos quantos pretendem , com zelo famigerado, simplificar ao extremo a Religião que nos legou o Divino Salvador, despindo-a da dignidade de seu culto e da transcendência dos seus DOGMAS=verdades de fé. Liturgia e doutrina andam juntas. Degradar o culto é comprometer as doutrinas.

Simplista era o teor do arianismo, que visava despir Jesus Cristo de sua Divindade afim de o tornar aceitável a mente vulgar da época. O Cristo de Arius, nada mais era do que um mero ente criado , era muito mais fácil de entender e muito mais popular do que o Cristo de Santo Atanásio, “Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, mas não feito, Consubstancial com o Pai, por quem todas as coisas foram feitas”. Com Santo Atanásio, e por entre lutas e agonias mortais, no século IV, venceu a Igreja com seu Credo transcendente e complexo, mas que provoca nas alma a fé , a humildade, a adoração , a paz na inefável comunhão com Aquele que era, que é, e que há de vir, o Senhor Deus todo poderoso.

É fato, e não negamos, também, que tem havido abusos no tocante a cerimônias religiosas, mas isto não é novidade. Abusos e grosseira IDOLATRIA, em conexão com altares também havia ao tempo do próprio pai da fé o grande Patriarca Abraão, em que se cultuavam as falsas divindades. Desgraçadamente hoje em dia, pelo dinheiro e nada mais, muitos clérigos, não elucidam o real papel dos santos em nossa fé católica, promovendo com isso verdadeira Idolatria, em muitos locais, corroborando com a terrível forma de ajustar o Poder que só Cabe a Deus,aqueles que por Ele foram Criados. O Próprio Concílio de Trento, determina que aquele que depositar nas criaturas o que for só do Criador seja ANÁTEMA. Ou seja a fé católica é pura, impuro são os indignos homens que se travestem muitas vezes de Clérigos apenas para roubar em prol de suas próprias conveniências.

Abusos tem havido e os há, com relação as melhores coisas da vida. Não há nada mais comum do que ver-se o dom divino da inteligência desvirtuado e prostituído para os fins mais absurdos ; mas isto não obsta ao cumprimento do dever, que nos cabe, de honrar a Deus com todo nosso entendimento, apesar de alguns opinarem, erradamente ; é certo que a verdadeira religião pode se confundir em um ambiente inculto.

DEVE-SE DESCONFIAR de todo sistema religioso, filosófico , teológico ou político incontidamente simplista. Uma doutrina sacramental sem mistérios, facilmente explicada como puro simbolismo ilustrativo, em que ninguém tropeça, e agradável, por isso, ao sabor do homem natural, por que nada encerra de transcendente que reclame o exercício MÁSCULO DA FÉ, pode ser boa para os fins DEMAGÓGICOS de proselitismo a todo preço ; Poderá talvez arrebanhar a multidão frívola que não quis mais andar com Jesus, ao ouvir-lhe dos lábios em Cafarnaum , o memorável discurso sobre o pão da vida ; pode mesmo trazer certa desenvoltura e conforto ilusório no momento ; tudo, porém, a custa de um grande esgotamento espiritual, que leva, inevitavelmente, a desintegração da vida do indivíduo e da vida coletiva.

Que ninguém se engane ou se deixe enganar com os supostos méritos de sistemas simplistas , em religião, em ciência, em arte, nas filosofias e mesmo na política.

Não se confunda a verdade e a sinceridade, que são de valor fundamental, como simplismo falastrão nas fórmulas dogmáticas e culturais. Simples é um seixo na sua estrutura ; mais complexo, porém, portanto, mais elevado na escala dos seres , é o vegetal com a sua vida mediante órgãos adequados : e mais elevado ainda, e por isso mesmo mais complicado na sua estrutura, na disposição dos seus órgãos, são os animais irracionais. Porém de todos os mais complexo, por isso o mais alto na gradação dos seres é o homem, complexo na sua vida física, na sua vida psíquica , sua vida mental, moral, e espiritual. E querem chamar tudo isso acima de SIMPLES...

O simplismo em si não é marca de excelência, como impensadamente alguns propagam; pelo contrário, é o feitio das coisas rudimentares e imperfeitas, é da escola do empirismo; o índice da ignorância, quando não é o sinal da decadência , com certeza é a capa da mediocridade.

A fé cristã e católica é certamente simples nos efeitos da sua operação nas almas ; mas não na sua estrutura , não nos fatos estupendos e transcendentes que lhe servem de base, e que reclamam, para sua devida expressão, uma liturgia com dignidade e reverencia, assim como também vidas em harmonia com a santidade do Ser Supremo que habita, como diz São Paulo, na luz inacessível.

O maior perigo que ameaça o mundo moderno, é exatamente o do simplismo arvorado como a suma virtude: Uma sociedade sem restrições de ordem moral, entregue a lei da natureza ; uma ciência utilitária , uma filosofia pragmática, restrita aos fenômenos sem alçar-se a origem primeira das coisas ; uma pretendida moralidade sem Deus e sem fé ; uma religião sem dogma e sem dignidade no seu culto, e dispersiva no individualismo estéril da sua atuação.

É preciso erguer o grito de alarme as consciências retas, a direita e a esquerda, na direção de todos os quadrantes . Seja o ponto inicial a moralização das vidas tortas, e siga-se depois o respeito a liturgia e as saradas Ordens. Acatem-se os sacramentos, dignifique-se o sacerdócio, e edifique-se o corpo de Cristo, a sua Santa Igreja que é Católica e Apostólica, pela fé, pela paz, pelo amor e pela Cruz, que é a que leva a real unidade.

Convém nesta altura de nossa reflexão relembrar as palavras ponderadas de Dom Carlos Duarte Costa ( São Carlos do Brasil, o legítimo primeiro Santo Brasileiro) ; “NÃO SE PODE EDIFICAR UMA PÁTRIA GRANDE E FORTE, EM NOSSOS DIAS, SEM PRIMEIRO TRATAR-SE DE ERIGIR A IGREJA, EM SUA PUREZA, EM SUA GLÓRIA E PODER ESPIRITUAL “ (Extraído de um sermão de Dom Carlos, por ocasião da revolução constitucionalista de 1932).

E que ninguém mais, por falta de aviso, levante de novo essa perigosa bandeira do indiscreto simplismo, que arrasta as almas ingenuas para os ermos da descrença e da desintegração da vida em seus múltiplos aspectos.

+Dom Antonio Duarte Santos Rodrigues

Bispo Diocesano de Volta Redonda-RJ

ICAB

Bibliografia

01) Missa tridentina, Dom Prosper Gueranger 02) Sermões de Dom Carlos 03) Escritos pessoais de Dom Duarte 04) As grande heresias , Abelardo Saldanha 05) A ilusão Liberal, Jorge de Gusmão.


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